quinta-feira, 21 de março de 2013

Escritores de origem estrangeira dão novos sotaques à literatura alemã

Deutsche Welle


Nada mais normal nos dias de hoje do que trocar o país de origem por outro. Quando escritores fazem isso, o resultado pode ser uma literatura singular e maravilhosa.
O escritor Thomas Martini não gosta de ser chamado de "literato imigrado". Ele considera o rótulo limitante e, alem disso, já está há muito tempo na Alemanha. Ele vive desde 1990 no país e há muitos anos em Berlim.
A cidade serve de cenário para o que o autor chama de jeunesse dorée internacional, bem como para seu romance Der Clown ohne Ort (O palhaço sem lugar). O livro é um perfil sombrio e contundente da geração de Martini: a dos adultos em torno dos 30, aparentemente felizes, mas que por dentro sentem um enorme vazio e desamparo. Essas pessoas têm uma consciência acentuada da crise pela qual passa o continente europeu, mas são incapazes de transformá-la em ações.
Falta uma utopia à sua geração, diz Martini. E seu livro versa exatamente sobre isso. Em entrevista à DW, o escritor afirma ter, graças à sua própria biografia, um olhar especial sobre o assunto. E talvez também uma distância maior. Na região romena da Transilvânia, de onde vem, Martini vivenciou não somente uma ditadura, mas também uma pobreza extrema disseminada. Bem-estar é algo que ele conheceu somente depois de se mudar, com a família, para o sul da Alemanha.
Fluência em mais de uma língua
Quantos escritores cuja língua materna não é o alemão vivem na Alemanha? Embora não haja estatísticas oficiais, Klaus Hübner – um dos responsáveis pelo Prêmio Chamisso, voltado para escritores cuja língua materna não é o alemão, mas que escrevem no idioma – arrisca uma estimativa: entre dois e três mil.
O Prêmio Chamisso é concedido pela Fundação Robert Bosch desde 1985. O critério mais importante é a qualidade das obras, diz Hübner. Além disso, acrescenta, elas devem contribuir para o enriquecimento da literatura alemã contemporânea.
'Quem é Martha?', de Marjana Gaponenko
Entre os vencedores do prêmio estão escritores conceituados como Zsuzsa Bánk, Aras Ören, Ilja Trojanow e Feridun Zaimoglu. Além da recentemente agraciada Marjana Gaponenko, nascida em 1981 na ucraniana Odessa. Em seu romance Wer ist Martha? (Quem é Martha?), ela conta a história de um ornitólogo aposentado de 96 anos, que, nos últimos dias que lhe restam, celebra a vida como uma festa. Ao mesmo tempo, a autora evoca todas as chances perdidas do século 20. O romance, analisa Hübner, é um exemplo a ser seguido de como escrever bem em alemão.
Uma literatura original
A Alemanha é, há muito, um país de imigrantes. Eles chegam pelas mais diversas razões e trazem uma cultura própria, bem como uma língua materna. Quando, como é o caso de Gaponenko, à essa língua é acrescido o alemão, o resultado pode ser o surgimento de algo maravilhoso. Cria-se uma literatura na qual a língua original do autor ressoa naturalmente, com suas metáforas e estruturas linguísticas próprias, seus neologismos, expressões e provérbios adaptados que não existem no alemão. Textos como esse são, segundo Hübner, especiais para o leitor alemão por causa de sua originalidade.
Buchcover Der Clown ohne Ort von Thomas Martini Capa de "Der Clown ohne Ort", de Thomas Martini
No decorrer das últimas quatro décadas na Alemanha, a literatura produzida pelos autores com trajetória de migração passou a abordar diversos temas, apesar de ainda existirem as clássicas histórias de refugiados. Mas, no fim das contas, diz Hübner, esses escritores produzem literatura alemã, na qual são tratadas questões e temas europeus ou até globais.
E o universo da experiência própria, que flui subliminarmente para o texto, faz da história algo singular. Como por exemplo o romance Zuckerleben (Vida doce, em tradução livre), de Pyotr Magnus Nedov [foto principal], um escritor nascido na antiga União Soviética, que cresceu na Moldávia, Romênia e Áustria e estudou em Paris, Moscou, Montreal, Viena e Colônia. Aos 31 anos, ele já é um especialista em culturas celtas, diretor e pesquisador com tese concluída sobre cinema.
Escritor e cosmopolita
Nedov tem um perfil de amor à vida e curiosidade por ela. Ele mostra irritação diante da insistência em se falar de crise, e opõe-se com veemência a isso através da palavra. E reconhece que apenas queria falar sobre a realiade na Moldávia, sobre os momentos de ruptura e decadência, sobre que efeito isso teve sobre as pessoas no país, no início dos anos 1990. O autor confessa também que só inseriu a história atual de um motorista de caminhão e de um jovem casal, que anseia pela morte, mas acaba não sendo atropelado, para que seu livro encontrasse espaço entre o público alemão.
Mas como Nedov gosta de ironia e humor, não se sabe ao certo se ele está falando sério. Com seriedade ele afirma outra coisa: que o mundo todo é como se fosse seu lar, ou seja, que ele é um cosmopolita. Há um número cada vez maior de escritores assim. E a literatura que eles produzem merece ser celebrada.


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