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Foram os jovens que iniciaram os protestos no Brasil e motivaram outras parcelas da população a aderirem, dizem especialistas. Manifestantes não veem liderança única e afirmam que pauta diversa não enfraquece movimento.
Os maiores protestos no Brasil em pouco mais de 20 anos e que reuniram centenas de milhares de pessoas nas ruas de todo o país nas duas últimas semanas começaram por causa do aumento das tarifas de passagens de ônibus em São Paulo. Mas, em poucos dias, o número e a composição dos mobilizados aumentou, ampliando também a lista de reivindicações por melhorias no país.
O estopim para a massificação dos protestos foi a violenta repressão, pela polícia, às contestações na Avenida Paulista, centro financeiro de São Paulo, na última quinta-feira (12/06). Mais de duzentas pessoas foram detidas. Vários jornalistas e manifestantes foram feridos.
Para o sociólogo Marcello Barra, foram os jovens universitários brasileiros usuários do transporte público que puxaram os protestos. "Quando tivemos a marcha da quinta-feira (12/06) em São Paulo, da violência explícita, houve uma reação generalizada da sociedade", disse, em entrevista à DW Brasil. Barra avalia que os protestos hoje envolvem movimentos de cidadania, sem teto, sem terra, artistas, negros, mulheres, ativistas pelos direitos de homossexuais, trabalhadores, estudantes e muitos outros. "Com a derrota do poder do Estado na quinta-feira, pelos atos violentos, a população tomou coragem", disse.
"É muito difícil identificar quem são os organizadores", analisou o cientista político David Fleischer. Ele acredita que o movimento de contestação no Brasil é essencialmente formado por iniciativas individuais, com a participação de diversos grupos, mas sem a interferência direta de instituições. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, feita durante um dos protestos em São Paulo, na segunda-feira (17/06), 84% dos participantes não tinham preferência partidária.
Novo modelo político
Os excessos da polícia durante o protesto da quinta-feira (12) em São Paulo motivaram o advogado Marcello Feller a se juntar a um grupo de dois mil voluntários que estão prestando auxílio jurídico aos manifestantes. "Sou advogado criminal e luto no meu dia a dia contra os abusos do Estado", disse.
"É como o meu país estivesse me chamando, eu precisava fazer parte disso, ao vivo e a cores. Eu sempre fui muito questionador e achei que já estava no momento de parar de olhar a vida pela janela e ir para o meio da multidão", relatou o editor de moda Rafael Moura, de 30 anos, quando perguntado sobre o motivo que o fez ir às ruas.
Rafael participou da marcha que reuniu 100 mil pessoas no Rio de Janeiro na segunda-feira (17), a maior aglomeração no país no dia em que os protestos se espalharam por todo o Brasil, com participação de mais de duzentas mil pessoas em várias cidades. "Vi jovens, pais com filhos, senhores, artistas, diferentes sexualidades. O que temos em comum é o sentimento se insatisfação", constata.
O sociólogo Marcello Barra avalia que essas características indicam a busca por outro modelo político. "A criação da outra política não vai surgir a partir de fórmulas prontas, de líderes já constituídos. Essa outra política vai surgir desse novo momento", disse.
Insatisfação social em comum
Em todas as manifestações, os grupos organizados deixaram claro que não eram os únicos líderes, como é o caso do Movimento Passe Livre (MPL), que iniciou os protestos na última semana em São Paulo.
Paique Duques, de 30 anos, representante do MPL no Distrito Federal, reforça que faixas etárias e classes sociais distintas estão representadas nos protestos. "A novidade é que muita gente que não tinha o costume de participar de protesto de rua agora está participando também." Para ele, existe um fenômeno da "emergência da participação política" na população brasileira, representada por atores diversos.
Jimmy Lima, de 17 anos, é estudante do ensino médio em Brasília e foi um dos que ajudou a reunir multidão que ocupou a frente do Congresso Nacional na última segunda (17), gerando algumas das imagens mais simbólicas dos protestos no Brasil. Jimmy se considera um estudante engajado e, depois de observar as manifestações em São Paulo e na própria capital federal no sábado passado (15), resolveu agir. Criou uma página na rede social Facebook para convocar a população local para o que chamou de Marcha do Vinagre. "No fim das contas, a gente quer um país melhor", explica Jimmy, dizendo que essa vontade é comum tanto ao adolescente quanto ao aposentado.
Confrontos entre polícia e manifestantes em São Paulo (18/06)
Paique Duques, que integra o MPL há nove anos, defende que a luta por um transporte de qualidade é antiga, mas que ganhou força agora com as promessas de melhorias com a Copa das Confederações – o torneio é considerado um ensaio geral para o Brasil, que sediará o Mundial de futebol no ano que vem. "Essas reformas urbanas foram preparadas pra montar grandes espetáculos, mas não para fazer com que o conjunto da população tivesse melhoria na cidade", avaliou.
O músico Eduardo Barbosa, de 31 anos, também está incomodado com os investimentos feitos para a Copa, uma das principais bandeiras dos críticos nas ruas. Ele teme que em Manaus, sua cidade natal, as obras feitas para a Copa sejam em vão. "Acho uma inutilidade criar um estádio tão bom, com tanta tecnologia, para Manaus, quando ela não é uma capital que dá muito valor ao futebol.”
Propostas claras numa agenda ampla
A agenda ampla dos protestos inclui reclamações contra o aumento dos preços, a qualidade dos serviços de transporte, saúde e educação, casos de corrupção e contra os gastos excessivos com a Copa do Mundo. "Em geral, há uma população descontente, apesar de todos os programas sociais que o governo tem organizado para assistência social, principalmente aos mais pobres", diz o cientista político David Fleischer, que identifica uma dispersão no movimento por causa da "pluralidade da pauta".
Manifestantes na Praça da Sé, em São Paulo (18/06): protesto inicialmente pacífico acabou em tumultos
Para Mariana Moura, de 25 anos, o que tem motivado os brasileiros é a busca por qualidade de vida. "Minha qualidade de vida não melhorou e a gente está pagando cada vez mais", diz. Já o editor de moda Rafael Moura acha que a Copa das Confederações é um momento propício para que a população seja ouvida, opinião também compartilhada pelo jovem Jimmy. "A gente quer que o mundo veja que o Brasil não é só a Copa, que tem muito a ser feito por trás disso", diz o estudante.
O advogado Marcelo Feller, no entanto, defende que é preciso ter propostas muito claras. "Gritar que você está cansado e não dar uma solução não resolve nada. Vamos ficar fazendo passeata até quando? Até o Brasil ficar perfeito?", questionou.
Fôlego dos protestos
Na quarta-feira (18/06), as prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro anunciaram que revogariam o aumento das tarifas de ônibus. Apesar de serem iniciativas ainda pontuais, são consideradas um avanço. "Isso não quer dizer – e não garante em situação alguma – que o movimento vai se restringir à questão da passagem", disse Paique Duques, do MPL. Ele reconhece a incerteza do futuro deste movimento, que dependerá da reação que os manifestantes terão ao recuo de algumas autoridades. "Pela multiplicidade de atores, a gente não pode definir, não pode determinar exatamente o que vai acontecer", afirmou.
O cientista politico David Fleischer avalia que, com o final da Copa das Confederações, o movimento pode perder corpo, mas ressurgir com mais força no ano que vem, quando acontecem as eleições gerais, além da Copa do Mundo. "Pode ser que apareçam algumas iniciativas populares para o Congresso, principalmente na área de reforma política", prevê.
- Data 20.06.2013
- Autoria Ericka de Sá, de Brasília
- Edição Renate Krieger
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